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quarta-feira, 2 de agosto de 2006


Recordar olhando para trás, e Caminhar em frente com mais bagagem. Obrigada Sálvio!

Memorial Sálvio Nora - 9 de Julho de 2006

Agora custa-me escrever. Porque é que ontem à noite no meio da trovoada na noite escura apenas momentaneamente iluminada pelos relâmpagos, pelo piar assustado das aves e pelo correr do rio agitado pelas violentas gotas de chuva, tudo me parecia tão claro e óbvio, e as palavras dançavam na minha cabeça, fluidas, fáceis e belas e se entendiam e arrumavam em harmonia? Estarias comigo sem eu o saber?


Estou a escrever-te debaixo da mesma azinheira onde te ouvi e te falei pela última vez. Agora falo-te e ouço-te em qualquer lugar. Mas naquele dia, involuntariamente talvez, mentiste por certo dizendo que estavas melhor.

Pouco mais de dois meses passados reencontramo-nos. Na Serra da Freita desta vez. Para o Memorial Sálvio Nora. Se gostei do Memorial? Não, não gostei. Teria preferido que estivesses entre nós a correr naquele magnífico cenário numa prova igual mas com um outro nome qualquer.

Detestei olhar o teu velho equipamento agora sobre um boneco, como se fosse uma farda de um militar de que ninguém recorda o nome, meticulosamente limpa, vincada, arrumada, esquecida e sem vida no canto de um museu qualquer. Queria-o sujo e suado sobre o pulsar do teu corpo quente e coberto de pó.

Resta-me pensar que quem gosta de nós e quem nós gostamos nunca nos deixa completamente e na verdade tu estiveste entre nós esvoaçando entre as borboletas e guiando-nos pela magnitude desta serra tantas vezes lida mas nunca corrida, neste teu "Mundo Fantástico" que sem ti é de difícil compreensão e de sentido duvidoso, mas ajudai-nos por favor a tentar alcançar um pouco dessa sabedoria. Estou perdida Sálvio, muito para além da imensidão desta serra e do percurso desta prova onde as fitas sinalizadoras foram claramente ineficientes.

As vacas que me ensinaste arouquesas, a água que corre, o céu que nos cobre e abençoa e as pedras, as outras e as parideiras que guardo como valiosos troféus, uma aceite durante a minha experiência de 12 Km, e outra resgatada por um amigo que tu gostarias de ter acompanhado neste Trail de 50 Km, e que me foi ofertada dias depois, são preciosidades da vida contidas em forma de pedras agora a descansar na frescura da minha casa, amontoadas ao lado da tartaruga de madeira.

Um dos ensinamentos que me passaste e da forma mais abrupta possível foi que mesmo das coisas más poderemos sempre retirar coisas boas.

Com a tua partida fui levada a conhecer uma pessoa extraordinária. Ela é especial, encanta, transmite alegria e é uma tua grande e verdadeira amiga, companheira de treino também e sempre presente no teu "Mundo Fantástico", que aqui homenageio pois sempre preferi as homenagens aos vivos: Margarida Pinto!

Ao vê-la chegar dos 50 Km tive a certeza que tu estiveste ali o tempo todo a sorrir connosco e que tudo aquilo vale a pena, que a tua morte me fez conhecer esta maravilhosa pessoa e família, e que ainda fez nascer este Memorial que tem todo o potencial para se tornar uma referencia internacional no género, sem perder o essencial: o ar que se respira e a envolve e que és tu!

E tu, gostaste do Memorial, Sálvio? O que nos escreverias sobre ele de forma majestosa e apaixonante trazendo-nos até ele apelados pelas tuas palavras mágicas?

De forma humilde e talvez medíocre, em oposição à riqueza de emoções e sentimentos que sinto em catadupa, e lutando para contrariar a anarquia das palavras soltas que me assaltam, isto foi só o que eu consegui escrever sobre esta edição experimental do Memorial Sálvio Nora.



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